A rádio no livro "Café Central" de Álvaro Guerra

Separadores primários

A rádio no livro "Café Central" de Álvaro Guerra
Read time: 0 mins

A primeira vez que o livro de Álvaro Guerra (Café Central) se refere à rádio é quando chega a televisão a Vila Velha. O Clube Vila-Velhense decidira adquirir um recetor e a montagem da antena exigiu uma reunião da direção para aprovar a despesa suplementar e confiar no engenheiro Silvério a sua instalação. O referido engenheiro, sócio da coletividade, era funcionário da Emissora Nacional e oferecera-se como voluntário para o desempenho da função, apoiado por dois eletricistas (p. 118). Estaríamos em 1957.

Depois, Vicente Mourão, de uma família de esquerda política em Vila Velha, foi o primeiro habitante dali a saber do desaparecimento do paquete Santa Maria. Ele ficaria de orelha atenta a todos os sons mais ou menos inteligíveis das ondas curtas da velha telefonia, pois continuava fiel aos noticiários da BBC (p. 169). Por aquela estação, acompanhou o relato do debate na Câmara dos Comuns e ouviu a oposição trabalhista criticar “the dictatorship of Dr. Salazar”. A BBC desmentia o Diário de Notícias. Contudo, “semanas depois, os situacionistas de Vila Velha seguiam aliviados a reportagem radiofónica da chegada do Santa Maria a Lisboa, empolgados pelo nacionalismo inflamado do versátil locutor Artur Agostinho, ao microfone da Emissora, o qual viria a ser condecorado por tanto zelo” (pp. 170-171). O ano de 1961, cheio de vicissitudes para o regime de Salazar, estava no começo.

O autor refere Barradas de Oliveira na sua tribuna “Rádio Moscovo não Fala Verdade” (p. 207), indica que não se arroga, por definição, a alterar o enredo ao folhetinista (p. 285) e chega à notícia de Salazar caído na cadeira. Ao passar pela porta da taberna do Belezas, uma das personagens ouvira, na rádio, a voz solene de Pedro Moutinho a dar a notícia (p. 299). Corria o ano de 1968.

Por último, a personagem David Castro procurava sintonizar a frequência dos Emissores Associados de Lisboa, com a pergunta: “onde é que são os «minhocas»”? (p. 422). O mesmo David, às 00:15, foi ouvir a Rádio Renascença. Reagiam a David: “Não te conhecia essa paixão radiofónica”. David justificou-se: “É recente… Este programa O Limite é feito por uns rapazes amigos” (p. 425). Vivia-se a madrugada de 25 de abril de 1974.

Álvaro Guerra (1936-2002) foi jornalista, diplomata (embaixador de Portugal em Estocolmo) e escritor. Licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi fundador do jornal A Luta. Oposicionista ao Estado Novo, poderia ter subido a ministro no pós 25 de abril de 1974 mas ficou-se pela direção de informação da RTP. Na sua biografia, que consultei na wikipédia, evoca-se o ter sido um dos fundadores do Partido Socialista e gostar de touradas, em especial na sua terra, Vila Franca de Xira. Da sua bibliografia, destaque para a trilogia dos cafés: Café República, Café Central e Café 25 de Abril.

Leitura: Álvaro Guerra (1984). Café Central. Folhetim do Mundo Vivido em Vila Velha (1945-1974). Lisboa: O Jornal