A T.S.F. NO LAR CONJUGAL
Nenhum lar poderá ser essencialmente feliz se dele não fizer parte um posto de recepção de concertos.
O homem que contrahe o pesado encargo de chefe de família, e que chega á noite a casa, janta, faz a sua toillete, põe o seu melhor fato e sai abandonando diariamente o seu lar, e que busca num club, num teatro ou em qualquer diversão noturna o descanço que o seu trabalho requer, está longe de ser considerado um bom chefe de família.
Bem sei que ha creaturas que se não conformam com a ideia de entrar á noite em casa, jantar e meter na cama, e eu também me não conformo de maneira nenhuma com semelhante vida. Mas se ele consegue, ou construindo ou comprando “tout fait” um posto de recepção de concertos, modifica imediatamente a sua opinião, porque aproveita em tudo o tempo que empregar com a T.S.F.
Feitas as primeiras despezas, ele economisa imenso porque deixa de gastar dinheiro inutilmente desde que sai até que entra em casa.
A sua saúde aproveita imenso com isso. porque não está sujeito ás intempéries noturnas. No dia seguinte está bem disposto para o trabalho. E por fim vigia de perto o seu lar e isso fará a alegria de sua esposa e todos os seus.
Quantas vezes uma esposa vê sair com magua seu marido depois de jantar, para o voltar a ver de madrugada quando regressa, muitas vezes indisposto com a vida noturna que procurou, e que se vae reflectir na sua vida particular.
Quantas vezes uma esposa chora a desdita de se haver ligado a um homem que apenas procura a casa para as refeições e para dormir.
Pois bem; tudo isso acabará no dia em que ele adquirir um posto de recepção de concertos.
Que agradável é chegar a casa, correr ao seu receptor, fazer as ligações de baterias, e sintonisar um posto com boa musica, sentar-se á mesa a jantar ouvindo no seu alto falante, uma selecção da ”Tosca” ou um noturno de Chopin ?!
Como é agradável ter na sua própria casa o orfeon de Savoy Hotel de Londres, proporcionando-nos musica que só nos é dado ouvir em qualquer club, com todas as despezas que o caso requer?
Que enorme prazer se sente quando ouvimos o ”Speacker” de S. Sebastian que por sinal é uma Senhora, anunciar que E.A.J.8, Radio S. Sebastian, instalada no Monte Ijueldo, vá transmitir su programa. La orchestra vá interpretar la “Granvia”, etc. etc.
Que sentimento profundo nos inspira, não sei porquê, aquelas badaladas do “Big Bem” que nos dão a meia noite em Londres, como se ao pé da catedral, estivéssemos morando?!
Quantas vezes vemos terminar com saudade aqueles concertos franceses, em que a a cortezia do “Speacker” toca as raias do extremo da delicadeza, quando anuncia com uma voz sonora, e agradável que o concerto terminou, que a estação vae fechar e depois de agradecer a todos os radiofilos a fineza de o terem ouvido termina belo Bon soir, Mesdemoiselles; Bon soir, Me’-dames; et bon soir, Messieurs.
Muito lhe poderia dizer se não receiasse que o aborrecimento proveniente da leitura destas linhas prejudicasse o amor pela T.S.F. Mas breve volto ao assunto, e lhe hei-de narrar um exemplo do que acima fica exposto.
Minhas Senhoras, se duvidaes de que aqui fica escrito, se duvidaes do que assevero, de que um lar conjugal por mais feliz que seja necessita da T.S.F. para complemento dessa felicidade, preguntae a uma vossa amiga cujo marido seja radiofilo, e vereis confirmadas as minhas palavras.
ínsinuae no espirito de vossos maridos a ideia da T.S.F. e dentro de breve sereis felizes. Os clubs, os cafés, os teatros, serão para eles motivos para aborrecimento. Agora as suas noites são em casa, e V. Ex.as verão que modificação enorme se opera em vossos maridos.
Porto, Novembro de 1926.
VICTOR FRANÇA
Nota: Foi preservado o português original