Como Marconi inventou a TSF

Separadores primários

Read time: 4 mins

COMO MARCONI INVENTOU A T.S.F.


Um antigo estudante de Boulogne, condiscípulo de Marconi nesta Universidade, em 1894 o doutor d’Asteck-Callery que fazia parte duma Missão Inter-Aliada, tendo sido chamado para ahi dirigir uma serie de experiências delicadas e ensaios práticos importantes na costa mediterrânea, em Antibes, encontrava-se um dia no Cabo do mesmo nome, perto do farol com outros sábios, em vias de proceder á instalação dos seus aparelhos; quando ouviu o velho guarda do farol que, não podendo conter o seu espanto á vista desses aparelhos, exclamava:

“Ah ! mas eu já conheço isso! Sim, senhores já vi esses aparelhos, ou outros parecidos, quando tive em minha casa o senhor Marconi.” Intrigado, o doutor d’Asteck interrogou de parte o homem. O relato que ouviu dos seus lábios foi conservado integralmente por ele e publicado no órgão da imprensa madrilena, “La Libertad” de domingo 25 de Maio de 1924:

”Marconi chegou um belo dia do farol. Vinha recomendado por um amigo de Nice e trazia consigo os seus aparelhos. Disse-me que iria comunicar, por meio de certas ondas, que não eram do mar, com um outro seu camarada que se encontrava na Córsega, junto do Cabo Bonifácio, e que para esse fim tinham sido fixados entre eles, dias e horas precisas para a audição dos sínaes. Passou assim uma curta permanência a fazer experiências, alternando para esse efeito, as suas viagens do cabo d’Antibes a Nice. Uma estrada duns 8 quilómetros era o trajecto da gare d’Antibes ao Cabo.


Marconi, sem dinheiro, percorria-a, a maioria das vezes a pé. Por vezes, fatigado, fazia-se conduzir por um cocheiro, seu compatriota, da gare ao farol.

Um belo dia, produziu-se entre os dois homens, por razões que ficaram misteriosas, uma altercação. Supoz-se que Marconi, não podendo pagar ao seu condutor, lhe teria prometido o pagamento total duma vez só, renumerando-o generosamente, e que o prazo, sempre renovado, tivesse causado a discussão. O que é facto é que n’essa tarde, no instante em que a carruagem chegava á encruxilhada próxima do termo da viagem, o cocheiro, furioso, e talvez embriagado, caiu sobre o seu credor e administrou-lhe uma tal “tareia” que o deixou inanimado, largando imediatamente a sua vitima estendida na estrada e fugindo, a galope apavorado com o seu acto.

Alguns instantes depois, o acaso conduzia ao local do incidente o que mais tarde foi o anjo da guarda do jovem Marconi. Era o ilustre Sir Willan Henry Preece, físico iminente e desde 1877, engenheiro electrotecnico dos telégrafos londrinos.

Preece estava em vilegiatura num hotel visinho, e á vista do desgraçado, estendido na estrada, despertou na sua alma os sentimentos do bom Samaritano. Levantou-o e fê-lo transportar ao Hotel do Cabo d’Antibes, que ocupa a residência construída por Napoleão em favor dos artistas inválidos do Império.

A habitação, situada no meio dum parque maravilhoso, encontrava-se na extremidade dos dois caminhos que, partindo da encruzilhada onde tem lugar a scena que relatamos, acaba á direita com o Cabo, emquanto que a ramificação da esquerda conduz, atravez dum pitoresco pinheiral, ao farol. A clientela do hotel era antes da guerra quasi exclusivamente britânica, e tão rica como discreta e silenciosa.

Tornado a si, Marconi, - então perfeitamente desconhecido, o que explica que esta scena não tivesse causado impressão no hotel onde passou despercebida para os restantes hospedes e até para M. Sella, proprietário há 35 anos já, desse opulento albergue, - contou a sua historia a Preece. Todos sabem que o jovem sábio era filho de mãe inglesa. Isso facilitou singularmente as relações com o sábio engenheiro. Este, não obstante recusava acreditar que Marconi pudesse ouvir sinaes sem fio vindos da Córsega. Mas foi preciso render-se á evidencia quando, convidado pelo seu jovem protegido a assistir ás suas experiências no mesmo farol, ele ouviu, poucos dias depois a crepitação, nas membranas do receptor telefónico, dos primeiros sinaes radiotelegraficos passando sem condutor nessa larga faixa azul do Mar Latino, que separa a pátria de Bonaparte, Terra de Promissão da nossa bela Provença.

Sir W. H. Preece, estava desse dia em deante, conquistado e a fortuna vindo de Marconi não se separou mais da sua. Conduziu-o a Londres, onde o dotou dos meios indispensáveis para se meter á obra, conseguindo-lhe da Administração dos Correios e Telégrafos, um credito de 15.000 shillings que lhe permitiu a continuação das suas experiências e de fazer do seu nome, o nome ilustre que hoje possue.


Nota: Foi preservado o português original