OS RUÍDOS CAUSADOS POR MÁ SINTONIZAÇÃO
UMA ASSOCIAÇÃO D’AMADORES DE T.S.F. NO NORTE
Ter um bom aparelho de recepção, é o desejo enorme de todos os radiofilosE existe esse aparelho ? Existe sim, mas o que é necessário é não querer exigir dum circuito de duas, trez ou mesmo 4 lâmpadas rendimentos que eles não podem dar, pela razão bem simples de que um pequeno aparelho não é construído para ouvir os concertos alem duma certa distancia. Ouve-se, é certo, alguma coisa dos postos afastados e cuja potência é quasi a restrita para o paiz onde funcionam, mas não deveremos querer ir alem daquilo que as circunstancias nos permitem.
Contentemos nos em ouvir Londres, Daventry, Bournemouth, Paris e os trêz ou quatro postos espanhóis que mais próximos nos ficam, que são Madrid, S. Sebastian, Barcelona, etc., mas não nos importemos com Breslau, Sevilha, e tantos outros que figuram nos programas, e que aqui mal se podem ouvir com nitidez em telefones.
E se esta teoria fosse seguida por todos os radiofilos, não teríamos todos que queixar-nos uns dos outros pelos constantes assobios e roncos que produzimos, quando andamos buscando postos novos que não chegaremos nunca a ouvir com selectividade.
Deveríamos todos esperar a hora do começo dos concertos e sintonisar o posto que estamos dispostos a ouvir.
Uma vez preparada a sintonisação, escutemos com atenção os trechos de musica que queríamos ouvir, e evitemos a constante mudança de postos porque muitas vezes sem o sabermos estamos incomodando os nossos colegas que sossegadamente escutam a sua musica predilecta.
A propósito conto um caso que ha dias me sucedeu e que pode ser sempre repetido, não como exemplo, mas como espirito.
Acontecia-me muitas vezes ter que mudar de posto por não poder suportar um ruído extranho causado por qualquer aparelho visinho e que eu não sabia a quem pertencia.
Estudei o processo de saber quem era que me mimoseava de quando em quando com um ruido tão forte que me interferia toda a audição.
Suspeitava que em uma agremiação próxima da minha residência e onde ha um desses aparelhos de “guinchar” alguém se entretinha a produzir esses incómodos ruídos, mas não podia ser, porque o aparelho nem ali se encontrava pois estava em reparação.
Procurei uma noite saber se era outro visinho que também tem posto de recepção, mas soube que não se encontrava já em Ermezinde mas sim no Porto para onde tinha mudado o seu também excelente aparelho.
Tentei ainda ver se conseguia saber se um outro radiofilo estava escutando nessa noite. Só no dia seguinte pude saber que esse posto não tinha trabalhado.
Na noite seguinte, lembrei-me de que talvez fosse um posto muito próximo da minha residência, e que pertence a um meu amigo e muito distinto radiofilo do Norte.
Mas como lhe havia eu de preguntar se era ele quem me produzia naquele ruido? Um destes acasos levou-me a ter uma ideia feliz para o apanhar, apanhei-o muito bem.Chamei pelo telefone este meu prezado amigo, que se não fez demorar.
- Como passou, meu amigo? pergunta-me ele naquele seu ar sempre muito correcto e fino, trocados os cumprimentos do estilo, preguntou-me o que havia de novo.
- Nada, meu prezado amigo, chamei-o apenas para lhe perguntar se já ouviu em 255 metros o novo posto de Toulouse (Association des Amis des Postes et Telegraphs de Toulouse). Respondeu-me que não, que não tinha ainda descido até essa onda mas que ia procurá-lo imediatamente.
Pedi-lhe a fineza de chegar ao telefone logo que tivesse encontrado o dito posto e me informasse da maneira que o ouvia- Assim foi. Eu tinha o meu aparelho sintonisado para o referido posto e daí a alguns minutos ouvi eu o tal ruido enigmático chegar a P.T.T. de Toulouse.
Ora cá está ele, disse eu, e esperei que aquele meu amigo me chamasse pelo telefone. Dois minutos depois as campainhas do telefone vibravam e a voz daquele meu querido amigo, perguntava “está lá”? Respondi, e reatamos o nosso diálogo a respeito do novo posto.
- Então sempre encontrou? interroguei eu.
- É verdade, respondeu aquele meu amigo, é um belo posto, ouve-se forte e a musica parece escolhida, e com a sua requintada gentileza agradecia a lembrança que eu tinha tido de lhe dedicar o novo Toulouse.
Nesta ocasião não me contive e contei-lhe que aquilo tinha sido uma armadilha para saber se era o seu posto que por vezes produzia um ruido fortissimo.
Rimos muito com a historia e devo confessar que desde então nunca mais semelhante ruido se fez ouvir.
É natural que aquele meu presado amigo tivesse corrigido o seu posto que, contra a vontade dele, imitia aqueles sons, que por vezes se assemelhavam á sirene dum vapor.
Que ele me desculpe esta narrativa que, quero crer, não ha de ler sem deixar de rir, como riu quando pelo telefone lha comuniquei.
Muitos radiofilos desconhecem que o seu aparelho oscila na antena e produz ruídos que por vezes desesperam aqueles que estão ouvindo a musica de qualquer posto, e que certamente evitariam com a melhor das boas vontades se por ventura conhecessem o ruído que provocam, com excesso de reacção.
No dia em que todos se cingirem ás indicações dadas pela sciencia para procurar sintonisar os seus aparelhos, nunca mais ninguém será incomodado com os silvos e ruídos provocados até agora, pelo mau processo de sintonisação que empregam.
Ha aqui no Porto logares onde é quasi impossível ouvir concertos. Felizmente esses ruídos não chegam até ao recantinho onde resido em Aguas Santas.
Ha cerca de 15 dias um ruido infernal alarmou todos os radiofilos do Porto e em especial Vila Nova de Gaia que conta já um grande numero de amadores de T.S.F.
Uma noite fui chamado ao telefone pelo meu querido amigo Fernando Matos um dos mais distintos amadores de T.S.F. de Norte que pretendia saber se em Aguas Santas se ouvia algum ruido anormal e constante parecido com o ruido que produz um alternadôr.
Respondi-lhe que, realmente já havia duas noites eu sentira um ruido forte localisado mais ou menos em 340 metros, mas que não m’incomodava embora o sentisse nitidamente. Disse-me então que todos os radiofilos do Porto andavam muito intrigados com a tal historia, e que em certos pontos sobretudo em Villa Nova de Gaia, era horrível semelhante ruido.
No dia seguinte leio nos jornais uma convocação feita aos amadores de T.S.F. convidando-os a comparecer pelas 6 horas da tarde no estabelecimento ”AUTO RADIO” na rua Saraiva de Carvalho 30, a fim de em conjunto pedir providencias a quem de direito, contra tal ruido e ver se poderia verificar-se mais ou menos o local onde o mesmo era produzido.
Ás seis horas achavam-se reunidos muitos amadores que depois d’alguma discussão sobre o assumpto, resolveram abrir uma inscripção para uma liga de defeza dos interesses dos amadores de T.S.F. Essa proposta que creio ser da auctoria do Ex.° Snr. Dr. Vasconcellos foi aceite imediatamente ficando desde logo assente que em uma grande reunião a realisar pelas trez horas de Domingo se nomearia uma commissão d’instalação, que trataria da nova sociedade. Efectivamente pelas trez horas da tarde de Domingo ultimo e após breve discussão foi nomeada uma comissão para tratar das bases e estatutos para a mesma sociedade.
Colhendo informes sobre o assumpto, soube pelo meu amigo Fernando Matos, que faz parte d’essa Comissão, que vão muito adeantados esses trabalhos e que no próximo Domingo 11 já poderão expor a assembleia o resultado das suas ”demarches”.
E eis como um ruido fantástico provoca a formação de uma sociedade que se tornava necessária em absoluto para proteger os interesses dos radiofilos do Norte.
Oxalá muito breve todos os amadores da T. S. F. se compenetrem do dever de se inscrever como sócios n’essa colectividade que ha-de sem duvida dar-lhes muito breve as regalias de que gosam os radiofilos estrangeiros.
Estou convencido de que muito se deve esperar d’esta colectividade que conta em seu seio creaturas possuidoras d’uma grande boa vontade, e que gosam d’uma excelente reputação n’esta cidade.
Victor França
Nota: Foi preservado o português original