Já abordei aqui a importância da rádio (os brasileiros dizem “o rádio”), para as pessoas com deficiência, e a prova disso é a grande quantidade de amadores com algum tipo de limitação física ou sensorial.
Falei da importância enquanto elemento de inclusão e quebra do isolamento, possibilitando uma ligação ao mundo sem os constrangimentos habituais de uma observação presencial.
Isto quer dizer que, quando um amador fala com outro, a menos que o refira, sabe que a deficiência não é um elemento constrangedor ou até de preconceito.
Mas não existe preconceito no amadorismo! Aposto que estão vocês a pensar…
Existe e até em duplicado. Preconceito porque se acha que aquela pessoa é mais limitada, menos capaz, com menos autoridade no que diz, menos relevante para o contexto em que se está.
Outras vezes é exatamente o contrário, aquele tipo é fantástico, consegue operar um rádio, fazer um CPS, soldar um cabo coaxial, apertar dois parafusos…
Este preconceito leva a um “pós” conceito: se este é assim, todos os outros deverão ser iguais e, se não forem, porque mesmo entre o mundo bonitinho, limpinho e prefeitinho também não é, são apelidados de burros ou menos capazes.
Dizendo isto de forma mais explícita, temos que, se aquele é capaz de fazer determinada coisa, tu também tens de fazer!
Aos 27 anos, lá por 1991, quase da noite para o dia, talvez a expressão devesse ser aplicada de forma inversa, perdi a visão.
Os seis meses seguintes foram uma perda constante, dia-a-dia e, depois de exames médicos e de percorrer muitas capelinhas, alguém deu o veredicto final: O seu caso não tem cura, nem aqui, nem em parte nenhuma do mundo!
Bem, só havia uma solução, ir em frente!
Mas não é fácil quando se perde a visão. Com ela vai a autonomia, a privacidade, e é um sem número de mais perdas que temos de assumir.
Para quem tinha, e tem ainda hoje, a paixão pela eletrónica, (e fazia dela ganha-pão), ter de iniciar uma nova vida profissional não foi fácil, isto para além de ter de aprender a ler braille, usar a bengala, fazer todas as tarefas da vida quotidiana, mas agora sem ver, etc.
O esforço de tudo isto ao mesmo tempo não foi fácil, mas muito mais complicado o esforço mental para me manter saudável, tentando vencer a depressão, a raiva, a revolta e as perguntas sem resposta, nomeadamente a tradicional “Porque me aconteceu a mim?”.
O trabalho e paixão pela eletrónica já vinha desde a adolescência, herdado pela profissão do meu pai. Também o gosto pelos rádios antigos. Durante os meus anos de trabalho fui juntando alguns que, por falta de tempo, nunca os reparei, mas foram ficando, quem sabe, à espera daquele dia…
Os meses seguintes foram dedicados ao restauro técnico de alguns deles. Desmontei, limpei, soldei, substituí, calibrei, montei e guardei!
Já conhecia o radioamadorismo, através da leitura de revistas brasileiras, a saudosa Antenna e, principalmente, a Electrónica Popular. Também em Portugal já seguia os artigos d’As Selecções de rádio, principalmente em números muito antigos que o meu pai tinha comprado desde os anos 60.
O texto está a ficar longo e voou terminar apenas com o momento do clique em que me tornei um aficionado e praticante da rádio, inicialmente pela CB, e, logo depois o amadorismo. (Mas é tudo amadorismo, certo?).
O rádio que está na imagem foi esse clique. É um recetor de broadcast normal mas que, nas bandas de OC também tem os 27MHz.
Um dia, à noite, sintonizando essa banda ouvi os célebres “macanudos”.
Devia existir algum perto de mim, porque chegava com um sinal muito forte.
O resto da história vem depois, mas este foi o verdadeiro início. Ouvindo aquilo, naquele dia e nos dias seguintes, pensei, porque não?
O rádio em causa é um GEC, de fabrico inglês, que ainda hoje existe na minha coleção e… funciona!
O radioamadorismo e as pessoas com deficiência (3)
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