Antes de continuarem, sugiro que leiam a primeira parte deste tópico aqui.
A pesar do ambiente amigável, da forma de vencer o isolamento, e desse mundo de contactos que se abria ao rodar o dial e apertar a PTT, sem que houvesse a necessidade de se expor, contrariamente ao que aconteceria na vida quotidiana, para um cego, o manuseio do rádio não era tarefa fácil.
Existiam muitos botões, ponteiros e afinações para as quais não havia nenhuma acessibilidade.
Não era possível saber em que frequência se estava e qualquer afinação de estacionárias ou ponto de operação das válvulas do andar final era feita a esmo, mais coisa menos coisa. Felizmente que, nesse tempo, as válvulas aguentavam tudo!
Eram criadas algumas estratégias e pontos de referência, a posição e formato dos botões, a contagem o número de posições ou a quantidade de vezes em que o dial era rodado, marcas com pequenos pedaços de fita adesiva ou mesmo marcações em Braille.
A evolução tecnológica dos transcetores não facilitou as coisas.
Os botões reduziram-se mas aumentaram as funções e complexidade.
O dial passou a ser um painel digital com informações textuais minúsculas em fundos com cores agressivas, os botões rotativos deram lugar às elegantes teclas de pressão com múltiplas funções, e tudo depende de um menu com a complexidade inerente a um equipamento cada vez mais completo, com mais modos, filtros e ajustes.
Com a redução do tamanho dos equipamentos, a opção por ecrãs tácteis tem sido considerada pelos principais fabricantes.
Em resumo, a acessibilidade e usabilidade andam cada vez mais longe, dificultando manuseio por quem tem alguma dificuldade visual, motricidade fina ou... simplesmente, dedos grossos!
A norma americana, conhecida por Section 508, que regula a acessibilidade dos dispositivos eletrónicos, além da percepção de que existe um grupo de utilizadores em número cada vez mais importante, que tendo alguma dificuldade física ou sensorial, está, ainda assim, interessado em adquirir equipamentos e está disposto a pagar pela acessibilidade, tem levado alguns fabricantes a investir em algumas tecnologias e recursos de apoio.
Coisas simples, como permitir a alteração da cor do fundo, fonte e tamanho do texto, já coexistem com a síntese de voz ou informação em morse.
Se, antes, principalmente a síntese de voz, era um acessório cujo o custo era adicionado ao equipamento na hora da compra, agora faz já parte integrante do dispositivo, bastando ativar uma função de menu ou combinação de teclas.
Ainda assim, os recursos disponíveis com apoio de voz são escassos, limitando-se à leitura das frequências, banda, potência, sinal e alguns menus.
Por exemplo, o portátil da Kenwood TH-D74 (que parece ser o mais avançado em acessibilidade) incorpora apoio de voz mas fica mudo no APRS, envio de mensagens e GPS.
Em face do que há, ou não há, este já é muito bom, mas, a cada nova atualização de Firmware sem melhorias nesta área, fica a percepção de que o fabricante já não está interessado em melhorar este recurso.
O FT450 da Yaesu, um equipamento para HF e 6 metros, também lê o básico mas, por exemplo, fica mudo na indicação de estacionárias...
Os equipamentos Ching ling, por força das circunstâncias, display minúsculo ou ausência do mesmo, incorporam algumas prompts de voz tornando-os bastante funcionais em VHF ou UHF.
É a revolta da classe operária contra o capitalismo e a opressão dos ricos. (Não sei o que esta frase tem a ver com o restante conteúdo, mas, se calhar... tem!).
O projeto do Roger Clark, de que já falei aqui e irei falar muitas mais vezes, que consiste num Firmware alternativo para o Radioddity GD-77 e 77S, além de outros clones, dando-lhes algumas funcionalidades mais próximas do amadorismo, passou a incluir, há alguns meses, prompts de voz que verbalizam todas, ou quase, funções, menus, caracteres alfanuméricos, níveis de ajuste, etc.
Pouco fica por verbalizar e as vozes estão disponíveis nas principais línguas, incluindo o português de Portugal e do Brasil, em opção masculina ou feminina.
O projeto OpenGD77 é colaborativo e de código aberto e têm sido muitas as colaborações de amadores, tanto para a melhoria da sua acessibilidade como adoção de novas funções.
A outra vantagem é que torna acessíveis equipamentos muito baratos, praticamente descartáveis e que não provocam grande frustração durante o uso, quer pela falta de qualidade, durabilidade ou mau funcionamento.
São aparelhos pouco amigos do ambiente porque a vontade de os atirar para o caixote do lixo mais próximo é frequente... mas o projeto vale pela usabilidade, acessibilidade e funcionalidade que se pretende dar a este material, tornando o amadorismo, tanto em modo digital (DMR) como analógico verdadeiramente acessível em todos os sentidos da palavra.
Infelizmente este projeto não contempla Firmware de equipamentos um pouco melhores, cujo investimento seria mais interessante e duradouro e traria melhor experiência para o utilizador, mas, quem sabe, um dia também estará disponível para os AnyTone, Alinco ou Motorola.
O radioamadorismo e as pessoas com deficiência (2)
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