Transcorria a década de 50 e o mercado de componentes eletrónicos começava o seu auge no Brasil. Centenas de reparadores, experimentadores e montadores abasteciam-se nas lojas de peças e acessórios, principalmente do Rio e de São Paulo.
A montagem de receptores valvulados artesanais ingressava também na sua idade de ouro - principalmente depois do surgimento de fabricantes nacionais de indutores prontos e monoblocos pré-calibrados, como os das marcas Comar, Unda, Douglas, Windsor Diamond, Phonovix, Tiple e muitos outros.
"Construa você mesmo um rádio de ondas médias e curtas" estampavam os artigos das revistas técnicas.
Mesmo quem não tinha ainda muita familiaridade com os mistérios da eletrônica aventurava-se a montar o seu "possante". Assim
aconteceu com um conhecido nosso, curioso de eletrônica e frequentador da oficina, o Dias. Ouviu falar que os conjuntos de bobinas da marca Douglas eram bons. Encomendou o conjunto modelo "1288", "supereconômico e com modernas bobinas para três faixas de ondas", de 540 a 1.600 "quilociclos", de 6 a 18 de ondas curtas e de 2,4 a 6,5 "megaciclos" de ondas tropicais, como se dizia na época.
Algumas semanas depois, apareceu o Dias, desanimado, na nossa oficina, envergando uma caixa de papelão com um chassi de onde sobressaíam algumas válvulas bojudas.
- O que houve, Dias? Não funcionou o rádio? perguntou o "seu" Edvino, que era como todos se referiam ao meu pai.
- Não deu certo, seu Edvino. Não sai nem pio do bicho. Caprichei na montagem, escolhi o que havia de melhor nas peças das lojas, fiz as soldagens como o senhor me ensinou, mas o rádio está mudo. Nada fala além de um ronquinho de fundo no alto-falante.
- Traga para cá, na bancada, o seu rádio. Cadê o esquema do aparelho?
O rádio estava bem montado. Para um principiante, era de se admirar: nada de "ninho-de-rato" como na maioria das montagens de novatos. Soldas bem feitas, tudo estava "no capricho".
Havia apenas um probleminha, aliás, um problemão. O seu Edvino começou a rir:
- Dias, você trocou todas as válvulas do esquema!
- Como assim, seu Edvino? Fiz o que o pessoal da loja me recomendou: "siga rigorosamente o esquema". No esquema estão as válvulas 41, 42, 43, 44 e 45.
- Mas este rádio não é com estas válvulas, Dias. É com 6BE6, 6BA6, 6AV6, 6BQ5 e 6X4. Os números que estão no esquema são os da numeração da lista de materiais!
Silêncio geral na oficina. Não demora e todos desatam em estrondosas gargalhadas. A fisionomia do Dias ficou noite, plúmbea como temporal, mas logo desanuviou e começou a rir também.
- Assim o rádio nunca iria funcionar mesmo, Dias! Esse aparelho não é para válvulas da série "40", mas sim para válvulas miniatura!
Na fotografia está o esquema do rádio montado com as válvulas erradas. Diga-nos: quantos de nós, ainda principiantes, não seríamos induzidos ao mesmo erro, tentando apenas seguir "rigorosamente" o que está estampado no esquema? Ter apenas um esquema não basta: é preciso estudar o circuito e conhecer também as características e as especificações das válvulas. Uma válvula pentodo de potência como a 43, por exemplo, como confundiu o Dias, não é a mesma coisa que uma 6AV6/EBC91.