De como uma reparação "bem feita" em um Philips B2R76U me livrou de uma "detenção para averiguações

Separadores primários

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Meninos, eu vivi 1964. Molecote ainda, com 14 anos de idade em 1964, quase fui preso e atirado nas masmorras da ditadura. Bem, o detalhe importante é o "quase".

Morávamos na divisa do Paraná com Santa Catarina. Era em Porto União, no norte de Santa Catarina, que fica separada da cidade de União da Vitória, no Paraná, apenas pelos trilhos da viação férrea. A região era um importante entroncamento rodoferroviário, na época, com acesso, via Lapa e Curitiba, até o coração do Estado de São Paulo. Dali também se ia a Erexim, Passo Fundo, todo o RS, até o Uruguai. Região estratégica, como se vê, sede do então 5.o BEC, Batalhão de Engenharia e Combate, hoje 5.o BECmbBld, Batalhão de Engenharia e Combate Blindado.

Pois, de bicicleta, nevoeiro baixo, passei na loja de ferragens Casa Esmalte e comprei o que havia sido pedido pelo meu pai: dois litros de benzina, produto que usávamos na limpeza de potenciômetros e outras peças de rádio, na oficina de reparações eletrônicas que tínhamos. Coloquei os vidros num embornal de lona verde e segui em direção a Estação Ferroviária, onde também ficavam os Correios e onde diariamente retirava a nossa correspondência, na caixa postal 399.

Quando dobro a esquina, quase fui ao chão, na freada na pedivela. O local estava coalhado de milicos armados com fuzis e metralhadoras, mais veículos de combate, tudo.

- Onde você pensa que vai, guri? - perguntou o cabo que guarnecia a entrada da estação.

- Ao correio.

- O que tem aí dentro do embornal?

- Benzina, respondi, já antevendo o baita problemão.

- Não sabe que a divisa está sendo controlada por causa da Legalidade? Que o Exército está de prontidão? Me acompanhe até o oficial. Ninguém pode passar sem averiguações.

Lá me fui, empurrando a bicicleta, escoltado por um soldado e pelo cabo. No caminho até a praça central, onde ficava o comando da guarnição, resmungava eu com os meus botões: só falta imaginarem que os vidros com benzina eram para usar como coquetéis Molotov. Já me via atirado em masmorras fétidas e escuras, em companhia do Zenóbio, do professor Ciro, do Hermógenes e de outros notórios comunistas da cidade. Como eu iria avisar os meus pais?

- Como é teu nome, moleque? Onde é que você estava pensando em levar esses vidros de benzina?

Nervoso, expliquei tudo novamente. Na minha cabeça já estava imaginando o pior.

- Mas você não é o filho do seu Edvino, o radiotécnico? Por que não disse logo, guri? Pode liberar o moleque, cabo. O seu Edvino e esse moleque consertaram o meu Philips no mês passado. O rádio ficou 'tinindo'. Melhor que novo. Suma-se daqui. Não quero ver você zanzando por aí com esses produtos perigosos. Podem pensar que você foi mandado por terroristas.

Parti como um raio. Nem "té logo", nem "brigado" deu tempo de dizer ao oficial!!