Rádio Mocidade de Moçambique

Separadores primários

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RÁDIO MOCIDADE DE MOÇAMBIQUE



LICEU SALAZAR
1967-1974
(história contada pelo seu fundador Joaquim Nogueira)

Foto actual de Joaquim Nogueira


Realização de um sonho


Tudo começou porque, desde miúdo, sempre tive a mania da rádio e aos doze anos construía a minha “galena” para ouvir a Emissora Nacional em Coimbra, no ano de 1947.

Em 1967 estando a leccionar no Liceu Salazar, em Lourenço Marques, encontrei no laboratório de Física um emissor de radioamador de 20W e na minha cabeça surgiu a ideia de criar com os alunos uma escola de futuros radioamadores.

Posto o assunto ao reitor (Dr. Alcântara ) este apoia a ideia, mas o pior foi a Liga dos Radioemissores de Moçambique que a vetou ,embora os CTT nos seus serviços radioeléctricos dessem luz verde.

Então pensei para comigo: "se não me deixam fazer uma escola de radioamadores vou tentar fazer uma estação de radiodifusão sonora."

Naquele tempo a ideia era tão louca como tentar fazer hoje uma estação de televisão.,já que o material não existia no mercado e não se usavam computadores como hoje em dia .

Obtidas as necessárias autorizações dos serviços radioeléctricos, começou a transformação do emissor de 20W, de onda curta para onda média. Este trabalho foi realizado pelo Sr. Carlos Albuquerque, técnico do Rádio Clube de Moçambique, enquanto eu me ocupava com três alunos de improvisar um estúdio numa pequena arrecadação junto à biblioteca do Liceu.

Seria aquilo um estúdio se só se tinha um gira-discos e um gravador ligado directamente ao emissor?

Montámos uma antena horizontal no terraço do Liceu e ali estávamos nós a fazer experiências, aos Domingos ,das 9 às 10 horas e com sucesso, pois as emissões deram brado entre os alunos e se calhar nem chegávamos ao Alto-Maé!

Todos queriam experimentar, todos queriam pertencer à rádio, ainda sem nome, mas com tais instalações e material era impossível.

Juntei os alunos e disse-lhes: "Vamos fazer um estúdio como deve ser, mas é necessário angariar fundos." Se o disse, os alunos melhor o fizeram! E uns meses depois havia dinheiro para o Carlos Albuquerque construir uma consola de comando onde se ligavam um microfone, dois gira-discos e dois gravadores.

Este estúdio já com cabina de locução foi instalado na grande sala da cabina de projecção de cinema profissional que o Liceu possuía. Nascia assim a RADIO MOCIDADE com estúdio e emissor próprios.

Estávamos em 1969.

Agora sim, eram já programas semanais de 2 horas, com cabeça, tronco e membros. A revista PLATEIA publica uma notícia com afoto dos elementos da Rádio Mocidade. Eram eles : Rui Magalhães, João Mendes, Libânia Feteira, Graça Faustino, Silva Pereira, Isabel Pinto, Eurico Correia, Akim Perally.

Neste grupo havia alunos do Liceu, da Escola Comercial e do Magistério Primário. A emissão era feita em 656Khz o que equivalia aos 457m, da onda média.

A rádio crescia em ouvintes, era falada na cidade mas o pobre emissor de 20W não aguentava mais de uma hora de emissão contínua e era arrefecido com uma ventoinha.


Foto do emissor RCA


Os alunos queriam mais e o Dr. Nogueira lá vai ter com o Secretário Regional de Educação ,Dr. Francisco Maria Martins, expondo a situação e solicitando uma pequena verba para comprar, no ferro-velho, um emissor de 100W, marca RCA, que pertencera aos CTT.

Novamente o Carlos Albuquerque transforma a onda curta em onda média e agora com toda a cidade coberta, era a delícia de todos, aos Sábados e Domingos .O emissor mudou de frequência para 1484Khz (202m. onda média).

Estas instalações mantiveram-se até 1970,com várias alterações de material de estúdio.

A popularidade crescia cada vez mais e os alunos universitários resolvem criar a Rádio Universidade, mas sem sucesso, pois trabalhavam no Rádio Clube , em FM e uma hora por semana. È assim que alguns voltam à Rádio Mocidade, onde tinham horas de programação e criam a rubrica "Quadrante Universitário", dirigidos pela São Gonçalves.

Os alunos queriam mais horas de emissão e o dinheiro vindo da Secretaria de Educação e do Reitor, Dr. Rui Gouveia, mal dava para as agulhas dos gira-discos. A energia era à conta do Liceu, felizmente.! Vai daí os “meninos” começam de novo a angariar fundos no comércio local e a pressionar o Dr. Nogueira de que conseguiam fazer emissões diárias mesmo com a restrição de que quem tivesse negativas não fazia rádio. Sempre tiveram positivas e passavam de ano.

Venceram uma vez mais e em 1970/71 com o apoio do Rádio Clube de Moçambique que reconheceu o valor da RM e lhe ofereceu um dos seus emissores de 250W, mudam-se novamente as instalações dentro do Liceu, desalojando parte da secção de Educação Física e aí construindo de raiz novos estúdios com novo material técnico, agora profissional, inauguradas a 26 de Fevereiro do mesmo ano.

Não me perguntem como se conseguiu, pois tudo aparecia como por milagre ,tal era a força de vontade dos jovens ,o interesse dos ouvintes e dos encarregados de educação pelos programas ligeiros, culturais e de estudo. Sim também havia programas de estudo no período pré exames com gravações vindas de Lisboa e em que se faziam revisões das disciplinas mais difíceis como Filosofia, História, Português etc.

Já poucos se lembrarão do facto mas é preciso repor a verdade! É o período do intercâmbio de programas com os emissores regionais do RCM, com a Emissora Nacional, com Rádio do Lobito (Angola) e com a secção de teatro do RCM dirigida pela Dra Sara Pinto Coelho. São as transmissões da FACIM, do Autódromo, das piscinas do Desportivo, das corridas de automóveis na África do Sul, do rally do BNU e da caça ao tesouro pela rádio, tudo isto em emissões das 20 h às 22 h de 2ª a 6ª feira, das 15 h às 19h30 aos sábados e das 9 h às 19h 30, aos Domingos. Isto era o que estava estipulado, porque um pedido telefónico para casa do Dr. Nogueira e lá ia mais uma ou duas horas de emissão.

O estúdio tinha mais horas de trabalho com a gravação de programas de sonorização mais cuidada e que eram feitos no período em que o emissor não estava no ar .

É este o período em que era emitido o sinal "Aqui Portugal, Moçambique! Rádio Mocidade a estação dos jovens para todos os jovens de Moçambique irradiando em 1484Khz, 202m onda média."

O programa “Camuflado” destinado às Forças Armadas chegava a todo o Moçambique, graças às gravações levadas gratuitamente pela DETA aos regionais do RCM, numa gentil retribuição das gravações que gratuitamente fizemos para os seus aviões. A música que se ouvia na cabina desses aviões antes de descolarem ou ao fazerem-se à pista foram gravadas no nosso novo estúdio.

Em 1974 estava a ser montado na Matola, no centro emissor dos CTT, um emissor de 2.000w que, dada a potência, já não podia estar dentro da cidade.

Como mera curiosidade técnica diremos que havia uma companhia de aviação que se guiava pela nossa emissão, dada a grande direccionalidade da antena horizontal e lhes servíamos de radiofarol para a cabeceira da pista do aeroporto de Lourenço Marques ,desde que deixavam Joanesburgo.

Também os ouvintes entravam em directo nos programas, via telefone, sem qualquer atraso para evitar inconveniências e nunca houve problemas pois os jovens locutores mantinham uma postura e uma linguagem que bem podia servir de exemplo aos profissionais dos nossos dias.

A rádio estava proibida de fazer publicidade mas, mesmo assim, o comércio e a indústria locais sempre nos apoiaram com prémios para os nossos concursos e as lojas que vendiam discos emprestavam ou cediam os mesmos.

A RM possuía uma Direcção constituída pelo Director (Joaquim A. A. Nogueira docente e Professor Secretário do Liceu ) que respondia directamente perante o Secretário Regional de Educação e por três alunos colaboradores :O chefe dos técnicos/operadores de emissão, o chefe dos locutores e o chefe da programação.

Enquanto a sua vida particular o permitiu o Sr. Carlos Albuquerque foi, por mérito, Subdirector e um dos pilares da RM.

A Rádio Mocidade auto suspendeu as emissões a 27 de Abril de 1974 aguardando o evoluir da situação, não tendo recebido qualquer ordem para o fazer .

Desejo que fiquem para a posteridade os nomes dos jovens ,hoje talvez avós, que fizeram a RM, pedindo desde já desculpa por alguma omissão involuntária e a ordem por que estão nada quer dizer. Foram eles : Fernando Cruz, Cristina, Mendes, Libania Feteira, Dília Maria, Victor Pereira, João Pedro, Luís Arriaga, Rui Magalhães, Graça Faustino, Isabel Pinto, Eurico Correia, Akim Pirally, Luís Leite, João Carvalho, Amélia Pinho, Carlos Matos, Luís Fonseca, Ramalho, Pedro Neto, João Salgueiro, Oliveira, Tony Fonseca, Tozé, Fernando Salgado, Odete Ferreira, Alda Maria, Conceição Gonçalves, Hélder Fernando, Pinto da Fonseca, João Carvalho, Pedrosa Alves, Sebastião Henriques, Miguel Sousa, Lobão Ferreira, José Felizardo, Bordino, Jorge Rodrigues, F. Veloso e Carlos Albuquerque.

A todos um abraço de saudade do “Dr. Nogueira “ e uma prece por aqueles que já não estão entre nós .



Texto e foto: Cortesia de Joaquim Nogueira, CT2FVF

Nota: O autor deste artigo gostaria de reencontrar, tanto quanto possível, alguns dos nomes, acima citados.
Se é um deles, por favor, contacte-o através do seu endereço de correio electrónico: ct2fvf@hotmail.com ou através do site.

Comentários

Dr.Nogueira
Li sua historia, que coisa tão bonita.
Que pena meu nome não faser parte da Lista (dos colaboradores RM)
Que bom seria eu poder reencontrar , um PROFESSOR com letra GRANDE.
É isto que nos faz falta hoje, para não andarem por ai os meninos máus. Bem Haja
filipe magalhães

Dr. Nogueira,

Li o seu texto e foi um prazer.

Tinha 14 anos quando residia com os meus pais e irmãos na Polana em Lourenço Marques em 1974 e já mal me recordava desta pérolazinha da nossa experiência comum. Mas repare: em 1973, num dos momentos altos da minha de outro modo plácida vida, entrei num concurso promovido pela Rádio Mocidade, e ganhei um disco de 45 rpm. Foi um evento! pessoalmente, fui ao Liceu Salazar bater à porta para obter o meu prémio, que, para variar, era excelente e que toquei vezes sem conta. Trinta e quatro anos depois, com debandada a pontapé de Moçambique, emigração para três países, dois casamentos, um filho, sete empregos e dez mudanças de casa mais tarde, acredite ou não, ainda tenho o tal disco escondido num caixote na minha quinta ribatejana, preciosa relíquia de uma infância que o dinheiro não compraria.

Falando mais a sério, ainda sou um viciado em boa rádio, algo que infelizmente vai rareando, e gostava de referir a incrível experiência que facultou de, num liceu de uma cidade distante do tal Império, logrou facultar uma experiência excelente e se calhar única, que colocou jovens na fase de arranque da vida em posição de adquirirem experiência que os ajudou a formarem-se e a saber o que é responsabilidade - de forma provavelmente divertida.

Por isso parabéns, e bem haja.

Atenciosamente

António Botelho de Melo

Caro Botelho de Melo :Gostaria de falar consigo .Mande mail para ct2fvf@hotmail.com Cumprimentos Nogueira

Onde vives Tomané? Ainda estas em Lisboa?

Tomané

Andava a ver se te encontrava para retomar o contacto. Não sei se o meu nome ainda te diz alguma coisa. Já lá vão 10 anos que nos conhecemos, no mercado do pau-preto em Maputo. Fazia parte de um grupo de congressistas, daqueles que, no tempo de vacas aparentemente gordas do eng. Guterres, ainda podiam pôr o pé fora de casa.
Ainda vives em Moçambique?
Dá notícias
abraço

Nuno Canas Mendes

Viva Dr Nogueira. Eu nessa altura era um dos putos do liceu. Fui seu aluno de geografia. Nao participei na Radio Mocidade.
Penso que iniciativas como a sua ajudaram a formar muita gente. Pena que nao haja em Mocambique, onde continuo a viver ea leccionar na Universidade Eduardo Mondlane, programas do tipoo que desenvolveu nas escolas.
Saudacoes. Muito obrigado
Yussuf

Exmo. Sr. Professor Yussuf
Com os meus respeitosos cumprimentos.
Estou a escrever-lhe a pedido do Dr. Joaquim Nogueira, que me pediu que o contactasse e lhe pedisse o seu e-mail (perdoe-me as redundâncias). Eu pertenci à Radio Mocidade dos 15 aos 20 anos e neste momento estou a fazer um trabalho, que o Dr. Nogueira me "encomendou" e que eu, em sua homenagem, estou a fazer com muita alegria, que é tentar localizar todos os que passaram por aquela Rádio ao longo dos anos. Alguns já não se encontram entre nós, e também por eles, o meu empenho nesta tarefa. Ficar-lhe-ia muito grata se me facultasse o seu e-mail, que farei chegar ao Dr. Nogueira com toda a rapidez. Ele lembra-se de si, pelo que pude observar com grande amizade, e gostaria imenso de lhe dar o seu e-mail e dar-lhe mais essa pequena/grande alegria.
Ao seu dispôr, e com todo o respeito, subscrevo-me,
Atentamente
Dina Maria Marques

Sou professora da rede municipal de ensino em Curitiba no Estado do Paraná no Brasil, junto com mais duas professoras estamos desenvolvendo um projeto sobre a África o qual tem o título "África de todos nós : integração pela arte". Temos trabalhado com crianças de 1ª á 4ª série falando sobre a influência do povo africano com nossa cultura e nossa raça. Um dos objetivos do projeto a fazer com que as crianças entrem em contato com crianças de algum país africano que fale o português via email, eles estão empolgados, já aprenderam a mandar email no laboratória de informática da escola e ficam perguntando todo tempo quando entrarão em contato com a África. Por favor se puderem me ajudar entre em contato, desde já agradeço. Obrigada.

Viva Dr Nogueira.
Eu sou genro do Carlos Albuquereque.
Vi o seu blogg,e acho estranho,não constar o meu nome bem como o do Marino Ferrão Gomes, pois ambos fizemos um programa aos domingos, durante anos.
Além disso fiz emissões da RM quase diárias, bem como da FACIM, dos Rallies, e o Camuflado com o Pinto da Fonseca, depois do Pedro Neto ter ído para a tropa.
Quando o Pedro Neto foi para a tropa eu fiquei como Chefe da A. Tecnica.
Cumprimentos,
Manuel Veloso da Silva

Caro Veloso da Silva: Como estás? Gostava de saber de ti, da Carla, do Carlos e da Graça.
Tenho saudades vossas e pergunto-me, muitas vezes, onde estão. Dá noticias. O meu email é este: idferreira_8@hotmail.com.

Abraço grande