QUAD II - A Inglaterra abre o baile
Na mesa redonda da corte real da alta fidelidade, e à direita do rei dos audiófilos, encontramos o Sir Peter Walker. Este nobre cavaleiro foi o fundador de uma empresa especializada em sonorização em 1936 a "Acoustical manufactoring company", e rebaptizada QUAD "Quality unit amplified domestic" em 1949.
A alta fidelidade "civil" nasceu assim e foi das mãos de um dos mais sensíveis artesãos (músico amador, e talvez um verdadeiro artista) que a hifi moderna se forjou … Toda a sua vida (até aos anos 90), este homem levou a alta fidelidade até aos limites da imaginação e da utopia, sempre no respeito da arte, ou seja da música. É um dos maiores, e dos mais respeitáveis (e respeitados) designers de sempre.
O amplificador QUAD II monofónico nascido em 1951 (segundo do nome) é o sucessor do QA12/P, e é o pai de todos os amplificadores modernos, não é o primeiro, mas é o primeiro que se destina a uma utilização doméstica, o objectivo da alta fidelidade.
Vamos tentar perceber, ao longo das próximas linhas, a razão do mito, da nobreza e da grandeza deste ancião com mais de cinquenta anos de idade, que foi concebido para resistir aos assaltos do tempo.
Apresentação
O QUAD II é um aparelho de dimensões modestas. Nasceu durante a monofonia, e quando o estéreo surgiu, bastava comprar outro para a segunda coluna. Foi concebido para acompanhar a QUAD ESL (primeira coluna electrostática da história), que contribuiu, ou criou, a originalidade e a personalidade da marca, e tornou a QUAD num mito eterno.
Nunca um Push-Pull foi tão simples : 4 válvulas, 12 resistências, 6 condensadores, 1 transformador de alimentação e um de saída. Uma demonstração de puro génio conceptual, simples, estável e terrivelmente eficaz.
A escola Inglesa estampa em ouro sobre azul a sua supremacia em matéria de áudio contra os fundadores americanos.
O QUAD II só tem dois andares, o primeiro utilisa os pêntodos EF86 para combinar a entrada, inversor de fase e ataque num único andar.
O andar de potência é concebido com as excelentes KT66 que tinham nascido na altura, e segundo uma configuração mixta, inspirada pelo amplificador americano do BOGEN. Os transformadores de saída, fabricados pela sublime empresa inglesa Partridge, são de uma qualidade única para a época (e talvez mesmo hoje). Mas o génio absoluto é o andar de entrada. O inversor de fase é modificado para se auto equilibrar. As colunas electrostáticas são cargas difíceis para os amplificadores, pois comportam-se como imensos condensadores, o que faz oscilar (fenómeno grave) os andares de potência. Graças a uma resistência colocada no bom sítio, Peter Walker faz com que o QUAD II compense o efeito da coluna electrostática, e que o Amplificador se autoequilibre em permanência. Genial, pois o QUAD II é um Jeep capaz de atacar, qualquer coluna da terra, sem micro oscilações. Isto em 1951! Percebe-se a razão do mito?
Vantagens
Uma muito importante acaba de ser citada, ou seja a estabilidade. O QUAD II pode atacar qualquer carga, sem modificação sensível dos seus parâmetros técnicos. Em si, este facto é raríssimo, mesmo no seio dos aparelhos modernos. A fiabilidade é legendária, pois a utilização de poucos componentes, e o facto destes últimos serem de alta qualidade é muito favorável à longevidade de um aparelho.
A qualidade dos transformadores de saída e a sua concepção, fazem com que as medidas técnicas (mesmo estando ultrapassadas), sejam de um nível muito alto levando em conta a idade do aparelho.
A estrutura monofónica assegura um palco (imagem estéreo), estável e de alto desempenho. A última qualidade é puramente subjectiva, é que acho este aparelho lindo, e tenho uma ternura especial por ele. Uma espécie de brinquedo para grandes pessoas, que esconde a sua generosidade por detrás de uma carapaça austera. É o Garrard 301 dos Amplificadores, ou quase.
Inconvenientes
Alguns, vários mesmo. Antes de tudo a alimentação é muito fraca. Nessa época a tecnologia não permitia construir condensadores de valor elevado, e a reserva energética é pequena. Os graves e o controlo destes reflecte isso.
A potência é pequena (cerca de 16 watts), e isso limita-o a colunas com rendimento alto de mais de 90 / 92 dB.
A simplicidade do circuito não permite controlar todos os parâmetros, e assim a distorção e a estabilidade da fase (contornos dos instrumentos) nota-se na escuta. As resistências em carbono aglomerado (tecnologia da época), são menos definidas que as modernas, contribuindo para a espessura sonora (o que pode ser também uma qualidade).
Por fim, o andar de entrada com pêntodos é austero nos limites da banda, que não são do mesmo nível do médio, sofrendo com isso a coerência geral.
Escuta
Este aparelho define o que passou a ser chamado o som QUAD, e de uma certa maneira, o som dito "Inglês" em geral.
Antes de tudo o QUAD II é um médio de uma beleza que entontece, e que dá vontade de vender a alma ao diabo por ele! É uma experiência a viver, por todos os que (com certa razão) só admitem os Single-ended, e que (sem verdadeira razão) criticam os Push-Pull. Um médio espesso e rico harmonicamente (timbres), que se perdeu com o tempo, e que dá às vozes uma humanidade inesperada, anti-electrónica.
A banda não é muito grande e os graves são pouco controlados, devido à alimentação deficiente. Os agudos são belos sem atingir o nível do médio, devido às limitações técnicas do andar de entrada e à escolha (voluntária) de pêntodos neste lugar.
O QUAD II faz lembrar um altifalante Full-Range, ou seja de banda larga, pois não faz tudo nas duas extremidades da banda, mas o que faz no meio é de uma coerência e de uma qualidade que o tornam perturbante, e único.
Casado com as colunas QUAD ESL, este Amplificador hipnotiza, e faz pensar a alguns que a alta fidelidade não evoluiu muito depois. Não é o caso (penso eu), mas a experiência é destabilizante. Um Amplificador feito à imagem sensível do homem que o criou, ou seja, um objecto raro. Uma das jóias da coroa.
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