Teatro radiofónico rápido (10)

Separadores primários

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Hoje é dia de escrita frenética, daí dois textos antes de retomar o teatro radiofónico propriamente dito.

Com o advento das rádios livres (década de 1980), surgiram casos de teatro radiofónico “subterrâneo e alternativo”. Um exemplo foi dado pela Rádio Caos (Porto), onde o radialista fundador Antonio Silva Oliveira (nome artístico A. da Silva O.) promoveu diálogos, caso da Correspondência Amorosa Entre Salazar e Marilyn Monroe (1997). Na emissão, de grande audiência (à escala das rádios livres), houve casamento, mas não no livro, editado depois, organizado em forma epistolar. A. da Silva O. e a empregada de limpeza da estação interpretariam o caso de amor fictício entre o ditador português e a atriz americana na década de 1950, mimetizando a relação de Salazar com a jornalista francesa Christine Garnier. Com essa emissão matinal, a Rádio Caos queria conquistar audiências à Rádio Renascença, entendida como a estação rival. António da Silva Oliveira escrevia os seus diálogos durante as horas em que permanecia na rádio, com uma visão entre ironia e irreal (surreal), desconstruindo os heróis elogiados durante décadas, incluindo ainda Diários Falsos de Fernando Pessoa (a partir de texto que publiquei em 2018 na revista do neo-realismo "Nova Síntese").

Recordo ainda o seu programa Beijinhos e Abraços, que tinha o pregão “olha os beijinhos e abraços”. Brincando com os concursos e prémios da Rádio Renascença, a Rádio Caos oferecia carros e casas de brincar e, até, a ponte D. Luís. Muito da irreverência e do desalinhamento face ao pensamento comum, durante os oito anos de emissão da rádio, a A. da Silva O. se deveu.

António da Silva Oliveira não teve o problema que eu tenho. A diferença de idades entre o nosso ditador e a sensual estrela americana era de 27 anos. Aliás, Marylin casou com homens mais velhos que ela uns onze anos de separação. E Oliveira traçou uma linha magistral ao escrever sobre encontros e desencontros do casal, a afivelar o rumo da minha história. Fora a economia de meios: ele, em escrita frenética, a ocupar algum tempo da empregada de limpeza da rádio com ela a fazer de partenaire.

Mas a história transmitida na Rádio Caos é bonita, confesso. De Salazar, apesar de se dizer que ele havia casado com a Pátria, a realidade mostra um homem apaixonado por mulheres. Não falo do caso de Garnier, que foi mazinha da última vez que se avistou com o português, ao anunciar ir casar com outro, género: “como não te decides, tive de encontrar alternativa”. O episódio mais empolgante foi o namoro com a viscondessa de Asseca, viúva e mais velha que o ditador - o que se assemelha muito à minha peça radiofónica. António Salazar e Carolina Henriques não casaram, apesar de já estarem afixados os banhos nas portas das igrejas, porque uma malfadada embora conceituada revista americana, logo no pós-II Guerra Mundial criticou o casal, ele de botifarras de camponês e ela da alta aristocracia, do círculo íntimo da rainha viúva D. Amélia. Os meus colegas da universidade gostariam muito da minha diversão ao apresentar uma comunicação sobre o tema em congresso em Glasgow.

A luta de classes pesou aqui muito. Foi pena em primeiro lugar porque talvez Salazar se tornasse cosmopolita e passasse a pasta de primeiro-ministro a outro e fosse fazer cruzeiros e receções em Inglaterra com a aristocrata. Foi pena em segundo lugar porque ele ficou dependente, nos momentos de depressão (dores de cabeça profundas, escreveu o biógrafo Franco Nogueira), de uma vidente, que deitava cartas, antiga namorada depois casada com outro. Sem contar com a professora do ensino primário, também com vida conjugal entretanto resolvida, que, de Viseu, lhe enviava cartas com a indicação dos opositores locais ao regime.

Nota: não tenho a certeza que a imagem corresponde à viscondessa acima identificada.