Notícias, censura e poder político

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NOTÍCIAS, CENSURA E PODER POLÍTICO



A ideia de notícia de rádio, como hoje a concebemos, formou-se na década de 1930. Nesta altura, detectam-se notícias em CT1AA e Rádio Sonora, do Porto, e informações de CT1 DE (sob a forma de reparos ou simples relatos morais do locutor). Ainda no ano de 1930, profissionalizava-se o noticiário radiofónico, com a emissora CT1 BO a transmitir notícias oriundas do ”Diário de Notícias” e ”palestras amenas”. Esta estação tinha um locutor habilitado a fazer comentários acerca dos acontecimentos do ano, como ocorrera na edição de 10 de Novembro de 1929. A crítica literária, também da mesma estação (12 de Abril de 1931, por exemplo), dirigir-se-ia, talvez, a uma pequena minoria de ouvintes, mas abria caminho na ideia de formação da opinião pública. As alocuções da campanha do Trigo, no final da década de 1920, com a retransmissão por altifalante junto de ouvintes reunidos numa praça ou largo, constituiram um bom exemplo do emprego da rádio na propaganda do regime político entretanto instaurado no país. Embora no artigo não haja espaço para a análise detalhada à censura no período inicial da radiodifusão nacional, lembremos a informação disponível no arquivo de Salazar. De uma carta confidencial de Henrique Galvão, presidente da comissão administrativa Emissora Nacional, sobre a guerra civil espanhola, extrai-se o seguinte:1

Foto de Salazar


"Como acerca da atitude da Emissora Nacional perante os acontecimentos de Espanha se estão forjando comentários que não correspondem à verdade e que pretendem estabelecer um paralelo descabido entre o que está fazendo o Rádio Clube Português e o que faz este estabelecimento, apresso-me a explicar a V. Ex.a. para conhecimento de S. Ex.a. o Senhor Presidente do Conselho, o que fizemos e estamos fazendo. Entendi que sendo a Emissora Nacional um posto oficial, o noticiário sobre os acontecimentos deveria ser dado de forma a servir os interesses políticos de Portugal, decerto ligado à sorte do movimento revolucionário - mas de forma a pôr o Governo português, prudentemente, a coberto de reclamações diplomáticas. Isso se tem feito rigorosamente. Assim, tendo sido dos primeiros a ter conhecimento do desastre sofrido pelo General Sanjurjo, ocultamos a notícia por nos parecer inconveniente. Por outro lado, evitamos dar notícias dos revoltosos que nos pareciam inconvenientes pelas reclamações a que poderiam dar lugar por parte do Governo Espanhol. Enfim, não podíamos imitar nem seguir levianamente os processos dos postos particulares, por mais simpáticos que nos sejam sob o ponto de vista do nosso idealismo político".

Em causa estava a transmissão dos acontecimentos dramáticos em Espanha. Enquanto o Rádio Clube Português podia dar livremente informações sobre as tropas de Franco, político das simpatias de Botelho Moniz (Abreu, 1995), e torpedear as informações vindas do lado do governo republicano espanhol, democraticamente eleito, a Emissora Nacional, como meio do Estado, tinha de ter maior sobriedade, conquanto a simpatia fosse para o mesmo lado.

Desde o nascimento da Emissora Nacional, houve uma luta acesa pelo seu controlo técnico e político. Inicialmente na dependência da Administração-Geral dos Correios e Telégrafos, liderada pelo Eng. Couto dos Santos, a relação entre este e o capitão Henrique Galvão, dirigente da Emissora, nunca foi promissora. Entre 1933-34 e 1938-39, deram-se diversas escaramuças nos bastidores do poder do Estado Novo. Couto dos Santos tinha a protecção do ministro Duarte Pacheco; Galvão - com uma grande aura colonialista, feita em Angola, e ainda longe da dissidência que o levou ao desvio do paquete Santa Maria - aproximou-se dos sectores mais influentes do regime. Quando António Ferro foi nomeado para encabeçar o Secretariado de Propaganda Nacional, o movimento a favor da integração da Emissora Nacional na instituição de propaganda ganhou força definitiva. O próprio Ferro tomaria conta da estação do Estado, no começo da década de 40, controlando ideologicamente a produção da radiodifusão.



Referências:
(1) Arquivo de Salazar, Torre do Tombo

Este artigo é uma cortesia de Rogério Santos para "A MINHARADIO"

Comentários

Gostaria de indicar o site Revista Lusofonia com texto do Prof. João Alves das Neves escritor e jornalista sobre o Capitão Henrique Galvão
www.revistalusofonia.wordpress.com/2009/07/05/o-navio-%e2%80%9csanta-lib....

Abraços.
Fabíola