Pioneiros da rádio em Portugal

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OS PIONEIROS DA RÁDIO EM PORTUGAL



Desde a época da primeira guerra mundial, as técnicas radioeléctricas permitiram enviar mensagens por via hertziana, começando a usar-se a TSF para mensagens telegráficas, sinais de sinalização para navios (meteorologia) e sinais horários.

O posto de transmissão de Monsanto, com emissores de faísca, dava essa informação para os navios. Radiotelegrafia, radiofonia e radiodifusão integravam-se no mesmo conceito de TSF (telegrafia sem fios).

A coluna da TSF do Diário de Notícias fornecia informação dos concertos musicais das estações emissoras estrangeiras a par dos horários de ligações telegráficas entre o posto de Monsanto e os navios.


Galena de 1912


A telegrafia exige o conhecimento do código Morse e transmite apenas mensagens escritas, a partir do momento em que se disponibilizaram microfones, os amadores passaram ao contacto mais informal e directo: ouvir a voz tornou-se uma nova prática (Douglas, 1999). E os circuitos são semelhantes: em vez da chave telegráfica, instalava-se o microfone.

A ideia de transmitir mensagens em Morse, chamar outros senfilistas (como ainda hoje o fazem os radioamadores) e passar música animou os mais curiosos e afortunados.

O número de estações que surgiram rapidamente causou problemas de recepção. Os emissores primitivos, de faísca, produziam interferências, dada a sua frequência irregular. Os conflitos levaram ao estabelecimento de um horário de silêncio ”voluntário”, a partir das 22 horas, por parte da estação telegráfica de Monsanto, durante o qual os amadores ouviam os concertos em melhores condições.

Por outro lado, nos primeiros receptores, uma parte da saída do amplificador de rádio-frequência voltava ao circuito de entrada de antena, gerando oscilações que interferiam em outros receptores na vizinhança, transformando-os em pequenos transmissores (Berg, 1999: 33). Os ruídos dos aparelhos eléctricos (um elevador, por exemplo) também interferiam:(1)
"Presentemente, nos centros das nossas capitais, Lisboa e Porto, não se pode ouvir a rádio embora com aparelhos bastante selectivos. A causa principal provém das diversas montagens de anúncios eléctricos com os seus múltiplos relaís, interruptores, etc. [...) Impõe-se”shuntar” todos esses sistemas de publicidade com condensadores ligados à terra de forma a protegerem-se os receptores de rádio contra os resultados das mil e uma faíscas que tornam as audições impossíveis nos centros das principais cidades. [...] Não se pode instalar uma simples ventoinha eléctrica sem esta estar provida de dispositivos que impeçam a repercussão das minúsculas faíscas entre o colector e as escovas."

Duas importantes transformações tecnológicas contribuíram para a industrialização da rádio - o uso de válvulas electrónicas na emissão e recepção (após a sua popularização a seguir à primeira guerra mundial, sucedendo aos emissores de faísca e aos receptores de galena) e a substituição do auscultador pelo altifalante (desde 1925), permitindo a escuta colectiva.

Passava-se da cultura do "senfilista", que construía o seu equipamento, isolado numa cave ou num sótão, com o auscultador em busca de sons e sinais, para o "radiófilo", que colocava o aparelho no centro da sala, com um enorme altifalante separado do resto do receptor, deleitado a escutar música nos aparelhos de marcas publicitadas em jornais e revistas.

Por exemplo, a revista Radio-Ciência promoveu a venda de equipamentos através de uma campanha de instalação gratuita.


O rádio mais antigo


Os radioamadores portugueses revêem-se em três pioneiros fundamentais. Um, Alberto Carlos de Oliveira, telegrafista em Cabo Verde, terá sido o primeiro português a trabalhar em radiofonia,(2) começando com emissões em faísca,(3) a partir de 1912. Na primeira guerra mundial, prestou serviços à Inglaterra, mantendo contactos com a esquadra do Atlântico Sul(.4) Mais tarde, foi dirigente da REP.

O segundo pioneiro, José Celestino Soares, já em 1902, como aluno da Escola Politécnica, realizava ensaios em TSF. Mais tarde, no primeiro congresso nacional de Electricidade, em Março de 1923, como oficial do exército, apresentou uma tese intitulada ”Postos particulares de TSF”. Em Setembro do mesmo ano, fundou a Rádio-Academia de Portugal.(5)

O terceiro pioneiro, José Joaquim de Sousa Dias Melo, iniciou as suas actividades de TSF em 1914, de emissão e recepção em 1920 e de radiodifusão em 1925. Regressado de França em 1917, onde frequentara o ensino liceal e assistira a experiências práticas de TSF, trouxe o entusiasmo pela rádio.(6)

Em 1925, quando tolerada a emissão de radioamadores no país, Dias Melo implantou a primeira estação no país, a emitir do edifício do hotel Internacional, no Rossio, onde era gerente. Inicialmente funcionou com o indicativo P1AA,(7) proporcionando ”algumas belas emissões”, embora com pouca frequência, e, depois, passou a P1AB (mais tarde, CT1AB).

Um documento deste amador revela o seguinte:(8)
“O funcionamento da estação emissora experimental que possuo desde Julho de 1924 com o indicativo internacional de chamada CT- 1AB, que me foi fornecido pela Rede dos Emissores Portugueses, de que sou filiado. [...]”

Trata-se efectivamente da primeira estação nacional de amador [de] emissões musicais, ouvidas naquela época em muitos pontos do país, como pode verificar pelos relatos das revistas da especialidade daquele tempo. Além disto, estabeleceu comunicações bilaterais com postos nacionais e estrangeiros, tendo chegado mesmo a trocar comunicações com postos oficiais, isto em 1924 e 1925, quando tais comunicações eram difíceis e exigiam por isso maior esforço e sacrifício do que actualmente.


Gramofone de 1918



Referências:
(1) Rádio-Ciência, Outubro de 1930, nº18.
(2) Moura da Fonseca (1988). As comunicações navais e a TSF na Armada. Lisboa: Edições Culturais da Armada, p. 330; Rocha Souto (1966). ”Elementos para a história do radioamadorismo português” (1). Boletim da REP, n° Q, Novembro/Dezembro, p. 15.
(3) ”Actividades dos nossos CT’s - CT1DX” (1934). Boletim da REP, r\.s 20.
(4) Boletim da REP, n.fi 20, Junho/Agosto de 1934, p. 16. Souto, 1966: 17.
(5) ”Biografias de senfilistas portugueses - José Celestino Soares” (1925). Rádio-Lisboa Magazine, n.2 4, Janeiro, p. 7.
(6) Rocha Souto (1967). ”Elementos para a história do radioamadorismo português (2)”. Boletim da REP, n.- 1, Janeiro/Fevereiro, p. 30.
(7) ”Biografias de senfilistas portugueses - José Joaquim de Souza Dias Melo” (1925). Rádio-Lisboa Magazine, n.° 5, Fevereiro, p. 16; Matos Maia (1995). Telefonia. Lisboa: Círculo de Leitores, p. 36.
(8) Documento de José Joaquim de Sousa Dias Melo ao director dos Serviços Radioeléctricos, em 13 de Setembro de 1933.

Este artigo é uma cortesia de Rogério Santos para "A MINHARADIO"