A história das rádios livres em Portugal na década de 1980

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Contexto Histórico

Portugal saiu de um regime ditatorial em 1974 com a Revolução dos Cravos, que pôs fim ao Estado Novo e deu início a um processo de democratização. Durante o regime ditatorial, o controle estatal sobre os meios de comunicação era rigoroso, com a censura limitando a liberdade de expressão, informação e opinião.

No início da década de 80, o panorama radiofónico do país encontrava-se subdesenvolvido e não prometia muito. As únicas três rádios legais que existiam, a Rádio Difusão Portuguesa (RDP), a Renascença (RR) e a Comercial (RC) emitiam a partir de Lisboa: sempre as mesmas vozes, as mesmas músicas, o mesmo ambiente formal.

Embora após a revolução tenha havido um movimento generalizado para a democratização de todas as esferas da sociedade, (e a comunicação social foi uma das áreas onde as mudanças foram mais sentidas), foi necessário chegar quase a meados da década para que a revolução chegasse às ondas hertzianas.

Em 1984, deu-se o boom das chamadas Rádios Piratas. Eram rádios livres: livres de legislação, de preconceitos, de formalidades.

Começou com a rádio Imprevisto, em 1979 e logo se tornou num movimento em crescimento rápido e em grande escala.

Este movimento surgiu da necessidade de expressar opiniões e ideias que não encontravam espaço nos meios de comunicação convencionais, ainda dominados pelo Estado ou por grandes grupos económicos. Estas estações de rádio eram geralmente pequenas, comunitárias e operavam de forma pirata, ou seja, sem licença oficial.

Características das Rádios Livres

As rádios livres tinham como principal característica a liberdade editorial. Eram geridas por grupos locais, associações culturais, movimentos políticos e jovens que queriam dar voz às suas comunidades e promover a diversidade cultural e ideológica. Muitas vezes, as emissões eram feitas de forma improvisada, com equipamentos básicos, e transmitidas a partir de locais como sótãos, garagens ou sedes de associações.

Era impossível controlar os piratas das rádios emergentes. Tomaram de assalto as frequências e conquistaram o interesse dos ouvintes. Nas palavras do antigo pirata portuense Alex FX, em entrevista à Vice, “o éter radiofónico era uma espécie de estendal de roupa onde, desde que houvesse espaço, se metia mais um trapo e uma mola”.

As estações de rádio sobrepunham-se e encolhiam-se, amontoadas em frequências de alcance e partilha desconhecidos. Consequentemente, a qualidade da transmissão não era boa, mas também não era prioridade. A receita para criar uma rádio era simples, até para amadores: um emissor, dois pratos, uma mesa de mistura – muitas vezes construídos artesanalmente pelos próprios locutores.

A programação destas rádios era variada e refletia a diversidade de interesses dos seus criadores. Podia incluir música alternativa, programas de debate político, poesia, notícias locais, entre outros. A linguagem utilizada era muitas vezes informal e próxima do ouvinte, contrastando com o tom mais formal das rádios oficiais.

Legalização e Regulamentação

A proliferação de rádios livres criou um dilema para as autoridades. Por um lado, essas emissoras estavam a operar ilegalmente, sem licenças e ocupando frequências do espectro radioelétrico sem autorização. Por outro lado, havia um reconhecimento crescente da importância dessas rádios para a liberdade de expressão e para a democratização dos meios de comunicação.

O Governo interveio a 24 de dezembro de 1988 e os piratas receberam a notícia do encerramento de todas as rádios que emitiam ilegalmente. Todas elas puderam então ir a concurso público e apresentar o seu projeto para operar dentro da legalidade.

O Governo decidiu, uns meses depois, quem deveria continuar e quem teria de encerrar os seus emissores, tendo em conta as suas condições, estruturas, motivações, entre outros indicadores.

Em 1989, o governo português decidiu regulamentar o setor. Foi promulgada a Lei da Rádio, que estabeleceu um quadro legal para o funcionamento das rádios locais. A lei criou um processo de atribuição de licenças, que permitiu a muitas rádios livres regularizar a sua situação e continuar a operar de forma legal. No entanto, algumas emissoras que não conseguiram obter licenças acabaram por desaparecer.

O problema era que a lei estabelecia uma quantidade incrível de condições e era muito difícil, tecnicamente, cumprir com os requisitos.

Em meados de 1989 começaram a aparecer as primeiras rádios locais e legais em Portugal. O número de rádios diminuiu para menos de metade, ficando-se, oficialmente, pelas 314 estações, de acordo com o Gabinete para os Meios de Comunicação Social (GMCS).

Impacto Cultural e Social

As rádios livres tiveram um impacto significativo na sociedade portuguesa. Contribuíram para a criação de uma esfera pública mais pluralista, onde diferentes vozes e opiniões podiam ser ouvidas. Também desempenharam um papel importante na promoção de culturas e identidades locais, que muitas vezes eram negligenciadas pelos grandes meios de comunicação.

Além disso, as rádios livres foram um terreno fértil para o surgimento de novos talentos na área da comunicação e da música. Muitos radialistas e músicos que começaram as suas carreiras nas rádios livres acabaram por ganhar projeção nacional.

Declínio e Legado

Com a legalização das rádios locais e a profissionalização do setor, muitas das características que distinguiam as rádios livres foram-se perdendo. A comercialização e a concorrência com grandes grupos de comunicação levaram ao fecho de muitas destas rádios ou à sua transformação em emissoras mais comerciais.

Apesar disso, o legado das rádios livres continua a ser lembrado como um símbolo de resistência e de luta pela liberdade de expressão em Portugal. Elas são vistas como precursoras da democratização dos meios de comunicação e da participação cidadã na esfera pública.