O aparecimento da Radio Congo Belge pour Africains em 1949 teve uma relação direta com as mudanças políticas mundiais após a Segunda Guerra Mundial. Agora, quero voltar atrás e avaliar a situação na Argélia enquanto colónia da França no dealbar da radiodifusão, seguindo os trabalhos da historiadora americana Rebecca Scales.
Assim, na década de 1930, o advento da radiodifusão transformou a dinâmica da política colonial naquela colónia do Norte de África, levando a um novo tipo de luta entre argelinos e o estado colonial francês. Até recentemente, os historiadores franceses não levaram em conta para a política colonial as emissões das pequenas estações de rádio bilíngues nos confins do império ultramarino da França (Indochina, Madagáscar e África Ocidental Francesa) e mais perto da Europa (Argélia, Marrocos e Tunísia), mas Scales alertou para essa falha. As conclusões dela permitem, para a história da rádio em Angola, pensar em comparabilidade de situações, como pretendo estabelecer proximamente.
O arranque das emissões teve como pano de fundo o que se poderia chamar de falso apogeu da Argélia francesa: a confiança imperial em 1930, no centenário da conquista da Argélia pela França, que mascarava as tensões étnico-raciais e de classe que explodiram de modo violento nas perseguições religiosas de Constantine em 1934. Os colonos franceses, que controlavam a produção agrícola argelina de vinho e trigo em vastas propriedades rurais, sentiam-se ameaçados pela população cada vez mais descontente dos trabalhadores assalariados empobrecidos.
Entre 1930 e 1936, a Rádio Alger (Argel) transmitiu, principalmente em francês, programas para públicos europeus (locais e continentais) que refletiam a cultura das elites coloniais: teatro radiofónico, concertos, reportagens de jogos desportivos, palestras sobre viticultura, literatura e cinema, e horas de música gravada. Por seu lado, a maioria das emissões para argelinos, apresentadas em árabe literário, consistia em concertos orientais com gravações em idioma árabe ou apresentações ao vivo de músicos da colónia. Para isso contribuíram o tenor argelino e pioneiro do teatro árabe Mahieddine Bachetarzi e a sua orquestra El-Moutribia, Lili Labassi, Sassi, Mohammed El-Anka e Cheika Tetma, tocando um repertório variado de música clássica árabe-andaluza e canções populares argelinas (la chaabi), versões em árabe de canções francesas e outras que misturavam letras árabes com foxtrots e rumbas. Uma nota: o uso do árabe literário, com a emissão limitada do idioma a um décimo da programação semanal, sugere que o Estado colonial nunca quis alcançar públicos fora da elite muçulmana, estratégia evidenciada pela seleção do locutor árabe Omar Guendouz, professor de árabe em escola de Argel e colaborador de jornal pró-assimilação. A população argelina no seu conjunto falava um árabe que posso designar de comum ou popular.
Um programa popular de Rádio Alger seria o diálogo cómico La Chronique du Cireur, com uma personagem europeia batizada de Jeannot a interpretar vários tipos árabes (comerciante de rua, engraxador, recruta do exército) em sabir (língua a misturar palavras do árabe, francês, espanhol e italiano, usada nos portos argelinos). A sua receção junto dos colonos europeus serviu para reforçar o sentimento de hegemonia cultural, por enfatizar a incapacidade dos argelinos se adaptarem às normas europeias. Por isso, o Jeannot aparecia como infantil e a mostrar a boa índole dos árabes, em especial os berberes.
O Estado colonial considerava perigosa a escuta coletiva de rádio, pois o público poderia discutir e debater as emissões, emprestando-lhes autoridade. A polícia francesa tinha o café maure, local tradicional de sociabilidade masculina muçulmana e local de encontro para trabalhadores temporários, como alvo especial para vigilância e, após a Primeira Guerra Mundial, via-o como terreno fértil para a política nacionalista e comunista.
À rádio juntava-se a música dos gramofones manuais e elétricos, acessíveis à classe profissional muçulmana e aos trabalhadores argelinos que enchiam Argel e outros cidades portuárias em busca de trabalho. As empresas multinacionais, como Pathé, Columbia e Gramophone, recrutavam artistas magrebinos, que chegaram a ser estrelas populares, como Oum Kalthoum, Mahieddine Bachetarzi e Lili Labassi (aqui em imagens sucessivas), que gravaram centenas de canções, assinaram contratos e ingressaram em empresas europeias. A música desta primeira geração de gravações de artistas magrebinos é visto hoje como a origem de la chaabi, com base em Argel, e do raï de Oran. Uma editora árabe seria a Baidaphone Company, empresa de gravação de discos e de filmes árabes dirigida pela autoproclamado Doutor Michel Baida e os seus irmãos Pierre e Gabriel com sedes em Beirute, Cairo e Berlim. Aquele, que contratara um técnico de som alemão, tornou-se suspeito de simpatias e espião do nazismo, não provado. O que ele queria era gravar bem os discos e fazer negócio.